quinta-feira, 31 de maio de 2012

Desapego e Karma Yoga sob a luz da prática




É comum definir, ou pensar a respeito do desapego como uma relação de distanciamento do mundo. Desapegar-se de bens materiais, dos fatos, do dito ‘mundano’ e quiçá das relações. Claro, isso até define o conceito, mas acredito que até aí, chegamos à metade do caminho. Percebe-se, na maioria das vezes, uma tendência externa no conceito, é um desapego ‘direcionado’ para o lado de fora. Isso costuma transformar o desapegar-se em algo distante, inconcebível no ‘atual contexto’, ou numa postura extremamente confortável e inerte.
E o que acontece se invertermos essa polaridade? Se virarmos esse desapego em direção a nós mesmos? ...Às nossas convicções e certezas... Aos nossos hábitos e zonas de conforto, expectativas e projeções...? Não se levar tão a sério...
O ‘meio-desapego’, de uma única polaridade, uma virtude pela metade, gera uma atitude negativa (de negação, mesmo) em relação ao externo, ao mundo, à matéria, às pessoas. Creio que a virtude, por inteiro, o "novo" desapego não se aproxime tanto dessa tendência reclusiva, "monástica", e vá na direção de uma medida equilibrada. Nesse sentido, podemos elucidar a noção de Karma Yoga, o yoga da ‘ação’ consciente, desinteressada ou desapegada.
Karma Yoga era uma prática amplamente utilizada na Índia na qual o aspirante a yogin (praticante, ‘unindo’) deveria passar por um período - que poderia levar meses ou anos - de serviço ao local, ao templo, ashram, ou Mestre. Trabalhar na terra, servir, cozinhar, limpar, tudo em prol do ambiente e das pessoas ao seu redor. Só então, o novato seria gentilmente convidado a se sentar diante de um Yogi (auto-realizado, ‘unido’) e observar a própria respiração, segundo as orientações deste.
Durante este período inicial se aplicava de forma prática a ética yogue (Yama e Niyama) e suas simples normas como o contentamento, a veracidade, a auto-observação, e o desapego (aparigraha = não-‘retenção’).
Reconhecer o Divino, ou o espiritual como indiferenciado do mundo. Ver Deus na enxada e na terra, na vassoura e na poeira que volta no dia seguinte, trazia consciência e respeito ao que é o Karma (‘ação’, trabalho). Já é sabido que Karma não é o que lhe persegue, ou aquela ‘fatura’ emocional que se espera na sua caixa de correio. Não é passado ou futuro, mas Presente. A ação é o Presente que lhe é dado a todo momento.
Não-retendo, você permite que flua, permite que a vida aconteça através de você. Cessada a resistência, o que sobra é potencial de ação. Um simples "sim", tomba a barreira que distancia o eu do mundo. Lembre-se que você não é a marionete, mas a mão que a leva. Não é preciso se enredar nas cordas.  Deixar-se permear pela vida. Aceitar e procurar por desafios, pois onde eles estão existe uma compreensão por acontecer. Quanto do ‘eu’ já é possível deixar de lado em favor de algo diferente d‘ele’ mesmo? Quanto de entrega é necessário para a imobilidade física da meditação(?), que seja por 15 minutos diários... Quanto de entrega é necessário para se manter as relações, de trabalho, familiares ou conjugais. Quanto para manter um lar em ordem ou as contas em dia? O mais confortável para o ‘eu’ não revela grandes transformações. A vida indica o caminho - o jogo vai revelando as regras - e a subida íngreme e pedregosa guarda a melhor vista.
De que forma o tempo que lhe é permitido estar aqui é empreendido? O presente lhe é dado. E você, quanto tem a oferecer? Como retribui a essa oportunidade? Quanto do corpo, do tempo e da energia coloca à disposição do que lhe cerca?... Isso define a qualidade do desapego em desenvolvimento, o servir, a entrega.  A doença não encontra brechas para chegar ao corpo entregue. A mente entretida na ação pouco pode teimar com relação ao que é experimentado, e as emoções não têm tempo de exercer influência sobre o equilíbrio. 
Invertendo-se a lógica do desapegar-se, a ‘persona’ não precisa se enraizar nem nos fatores externos, como posses, a imagem, o corpo; nem nos internos, como as idéias sobre o eu e as convicções protegidas pelo tempo. Identifique-se ao fluxo aberto pelo qual tudo isso percorre. Permita-se reinventar tudo isso quando em vez. Cabe dosar esta entrega, e permitir que flua através de você para o mundo, o seu melhor, assim como aceitar a concepção de melhor que manifesta o outro.
O que a Consciência faria no meu lugar, agora?



Wagner Souto. Formação profissional em Yoga com especialização e Hatha-Yoga. Há mais de dez anos, estudioso do Yoga, suas diversas linhagens, filosofias e técnicas. Conhecedor prático das disciplinas do Purna-Yoga e Ashtanga-vinyasa-yoga. Contato: wagnerssouto@gmail.com



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